LULA O Macunaíma da vez

domingo, 2 de janeiro de 2011

O Macunaíma da vez

 

 

Roberto Gomes

 

Dia desses Caetano Veloso, que gosta de uma encrenca, andou dizendo que Lula é analfabeto. Tecnicamente, errou, pois o presidente é capaz de ler os discursos que assessores preparam para ele. É alfabetizado, portanto.

Mas, se Caetano errou de alvo, acertou a flechada. Ninguém ignora que Lula já manifestou por várias vezes desprezo pela educação formal, gabando-se de atropelar a língua portuguesa e de não ser dado a leituras. É uma reação comum a pessoas que não tiveram oportunidade de estudar: jactam-se da própria falta de estudo e de não conviver com livros, querendo destacar o fato de que, contra tudo e contra todos, venceram na vida. E quanto a isso, não há dúvida. O filho de Garanhuns venceu na vida.

Já que o Brasil, sendo um país desossado intelectualmente, é incapaz de debater idéias, conceitos, personalidades – quando se tenta fazer isso a discussão descamba para briga de rua – o tema da formação deficiente de Lula virou uma espécie de tabu. Os companheiros o protegem como se fosse um intocável gênio da raça e a tropa da direita evita o assunto para não ser acusada de preconceito e perder votos.

Se Lula não é analfabeto, também não é sequer um leitor razoável, o que ele mesmo admite – errando apenas ao se vangloriar da própria deficiência. Daí muitos afirmarem que é burro. Também não é. Mas, como sabemos, o que chamamos de inteligência envolve um leque muito amplo de aptidões, havendo modalidades variadas de inteligência.

Com certeza ele não é uma inteligência dada a grandes abstrações, basta ver que suas metáforas se realizam num universo muito limitado: as quatro linhas do gramado de futebol ou as oposições simples tais como bons versus maus, popular versus elite etc.

Não sendo dado a abstrações, Lula é, no entanto, dotado de um raro senso prático, de um faro canino para as oportunidades, as malandragens do discurso, das ações e das alianças. Malandro, gosta de se comparar a Getúlio, o que a ignorância que os brasileiros têm da própria história permite que ele espalhe impunemente aos quatro ventos. Pois está errado. Getúlio era um cão de faro afiadíssimo, mas era também um intelectual.

Esse desprezo/inveja que Lula manifesta com relação à inteligência e à educação formal, indicam que ele, tal como Homero diz de Ulisses, não é um intelectual, mas sim um astuto, que vem a ser outra categoria.

Ele é astuto – e com isso construiu sua vida política.

O atropelo de suas frases e discursos mostra isso. Ele vai pelas palavras e argumentos como um cão farejador vai pelo meio da mata mais fechada em busca da caça. E, tal como o faro canino, ele cata pelo caminho o que apóia seus interesses, atividade que tem muito pouco a ver com exercício intelectual. É verdade que costuma dar resultados mais rápidos, mas é obra da pura astúcia.

No entanto, Lula tem outra característica, que o pensamento brasileiro, desossado e oportunista, deixa de lado. Ele é a mais recente e de certo a mais bem sucedida reencarnação de Macunaíma, o personagem de Mário de Andrade. Como sabemos, a obra de Mário tem um subtítulo: o herói sem nenhum caráter. Ou seja, ao desossado perfil filosófico brasileiro, ele soma a falta de caráter de Macunaíma – ser maleável que se adapta a todos os meios, o que se expressa nas alianças que faz e nos companheiros que reúne a sua volta, de Maluf a Sarney, de ACM a Renan, dos usineiros elogiados por ele aos sem-terra dos quais adotou o boné.

Daí a última jóia de Lula: os vídeos que flagram o governador do Distrito Federal embolsando grana suspeita não provam nada. Malandro, saca um sofisma jurídico "democrático": é preciso esperar o julgamento final da justiça. No dia seguinte, disse que o episódio "é deplorável" e pediu reforma política. É o faro refinado em ação. Não surpreende. Lula já fez isso antes, com mensaleiros e outros aliados pegos com a boca na botija.

Sendo Macunaíma, Lula é incapaz de ética e de política no sentido que Aristóteles dava ao termo. Desconhece princípios e só pensa nas oportunidades. E delas faz uma abordagem canina: fareja para saber o que lhe convém.

No que se mostra brasileiríssimo.

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