O debate sobre educação está quase dividido em três tipos de fala: um discurso aboiolado de profissionais de inteligência mediana reclamando do salário, que geralmente, não conseguindo "encarar" a Física e a Matemática, passaram bons anos no 3º grau para se especializar em salas de aula completamente diferentes do Brasil real; um discurso de pessoas que não estudam nem têm filhos que estudam na escola pública que, ainda que traga coisas sensatas, tende para o estilo pequeno-burguês; e o discurso da senhora pouco atraente fisicamente (nada contra mulheres feias, desde que a falta de beleza seja o único defeito sério) no ônibus protestando contra o protesto dos "professores que não têm o que fazer" que faz a viagem demorar mais do que devia. Estou dizendo isso antes de dizer que fui professor em 2010 para que o prezado leitor não pense que esse texto falando sobre greve é mais um de um destes tipos, principalmente dos dois primeiros.
Vou começar falando da greve de 2010. Eu era professor de Física em Divinópolis, a assembléia que decidiria a greve foi no dia 08 de abril. Junto com a assembléia, uma paralisação. Era quinta-feira, o dia da única aula que tinha com uma das minhas turmas (como saí da escola durante a greve, nunca mais vi a minha turma, vou "descer o pau" no meu substituto mais adiante). A Assembléia foi na praça... da Assembléia. Eu fui lá, para votar contra. Vejamos algumas fotos tiradas da assembléia.
O que lhe parece? Um belo movimento? São 250.000 professores na rede estadual de Minas Gerais, pelo que ouvi na ocasião, e a greve era dos profissionais da educação, que incluem até os serventes das escolas. Mas vejamos outras fotos, que eu tirei.
A hora era um pouco antes da votação que decidiu pela greve. Tirei duas fotos para dar uma noção espacial para o prezado leitor. Quantas pessoas estavam lá? Umas duas mil?
Eu não fui "greveiro" nem fui grevista. Fui à assembléia para votar contra a greve. Um dos motivos foi esse que o leitor viu: não havia um movimento forte. Vim de Divinópolis, onde, segundo ouvi, haviam 4.000 professores na rede estadual de ensino e, com duas colegas de Itaúna, não enchemos um ônibus rodoviário (pouco menos de 50 assentos). Uma parte dessa pouca participação da categoria vem de um desânimo com a profissão. Outra parte, de desinteresse e falta de amor à profissão. E com a greve iniciada, como sabemos, os professores que pararam suas aulas não foram 2.000.
Agora vamos falar de problemas mais graves na educação que o salário baixo do professor.
I - o professor quase não se mobiliza por questões além de um aumento pro próprio salário. Isso quando se mobiliza.
II - o corpo discente é de baixo nível. 2010 foi curioso pra mim: voltei como professor às três escolas públicas em que estudei desde a 5ª série (primeiro grau de 8 anos, esclareço). Foi comparável a ver a própria casa derrubada por uma enchente. Moleques que conversam em sala de aula como se estivessem num bar. Alguns com fone de ouvido ouvindo os lixos musicais da moda no celular. Moleques que não respeitam nem os pais em casa, e que estes pais empurram pra escola. A turma não se lembra no segundo bimestre do que viu no primeiro. Claro, há as nobres exceções, aqueles alunos que realmente estudam, e vão dar em alguma coisa. Bagunça, trabalhos copiados e briga em escola já haviam no meu tempo de 1º e 2º grau (meados da década de 80 e de 90), mas professores ainda conseguiam dar aulas e cobrar algo dos alunos sem que os mais vagabundos reclamassem da nota como quem recebeu uma encomenda com defeito. Temo chamar isso de apocalíptico porque posso passar vergonha em 2020.
III - o diretor da escola é o representante da Secretaria de Educação perante a escola, e não vice-versa. Certa vez, indignado com o resultado de um trabalho de Matemática de 5ª a 8ª série (do primeiro grau de 8 anos) que apliquei a minhas turmas de 1º ano do segundo grau em duas escolas, resolvi levar isso ao Ministério Público Estadual. Não teria tido de fazer isso se em uma delas houvesse um diretor macho (mesmo que fosse mulher).
IV - o professor é pressionado a aprovar seus alunos quase incondicionalmente. Para quem não sabe, o artigo 41 da Constituição Federal determina que os funcionários públicos sejam submetidos a avaliação de desempenho periodicamente, pela qual podem perder o cargo. Sim, a Constituição de 1988. Para os professores, ela inclui, disfarçadamente, a aprovação dos alunos. Se uma turma é toda ou quase toda reprovada, o professor não cumpre seu papel, mesmo que sua turma converse alto em sala e não pegue o livro cedido gratuitamente para estudar em casa.
V - a educação brasileira está nas mãos de qualquer um, menos os que sabem as ciências. (Aqui falo de Física, Matemática, Português, todas as matérias) Coisas que fariam um funcionário público ou um ministro da Educação ser destruído profissionalmente ou politicamente em um país sério são costumes aqui, como uma inspetora ir a uma escola porque uma turma inteira conseguiu "nota vermelha" no bimestre para "malhar" o professor (má notícia para os "antigos": a nota abaixo da "média" não pode mais ser escrita com caneta vermelha) ou um professor ser demitido ou pedir demissão por dar nota baixa à sua turma. O Conteúdo Básico Comum de Física para o segundo grau, pelo meu modesto conhecimento do assunto, não foi feito por alguém que passou 4 anos estudando Física a sério. Com notáveis exceções, as moças da Pedagogia são meninas de inteligência medíocre; que escolheram o curso porque não tem Física nem Matemática (eu já ouvi isso de várias aspirantes) para entrar na universidade; estudam uma teoria diferente da sala de aula do Brasil real (principalmente o Brasil do PT); e, se não foram pra lá pra também arranjarem um bom casamento, costumam ter sorte com os estudantes da Engenharia Civil, do Direito e outros cursos com mais "futuro" (quando uma pedagoga vai trabalhar na Secretaria de Educação, é a vingança do curso espera-marido). Na área política, a educação vira escolas novas, merenda, IDEB e coisas do nível para "fazer média" com o eleitorado. Por fim, qualquer mãe mal preparada pode "conversar fiado" sobre um professor que deu nota baixa ao seu filho na Secretaria de Educação.
VI - o professor é um pobre covarde que morre de medo de perder os menos de dois salários mínimos. Como o vaca-de-presépio que me substituiu na escola onde trabalhava. Não o conheci pessoalmente. Formado em Física, não teve a mesma dignidade que eu de não aceitar o lixo do CBC (Conteúdo Básico Comum), onde o nosso aluno devia aprender potência e leitura de "relógio" de energia elétrica antes de saber sobre movimento retilíneo uniforme. Tive o prazer de lhe dar trabalho pra passar uma turma que não sabia operações com frações que praticamente perdeu o 1º bimestre (em nota, não em conteúdo dado em aula). Vida de rato é no lixo.
VII - "a estatística pode ser a arte de torturar números até que eles confessem qualquer coisa" (Rodrigo Constantino). Os estudantes de nossas
escolas da rede privada nos dão notas no PISA, uma avaliação internacional, entre as piores do mundo, atrás inclusive de países da África. Mas nenhuma especialista em educação vai a Finlândia ou à Coreia do Sul pra "ver como se faz educação". Compara-se o Brasil com ele mesmo. A escola privada no geral também vai mal, mas é melhor que a pública. Então, a escola privada compara-se com o conjunto do Brasil. Mas as escolas públicas também vai bem. Em relação aos IDEB's das outras públicas da região.
Em 2010, como este ano, pais de alunos prejudicados com a greve fizeram protesto contra a greve. Parece que a preocupação era só com o ano letivo em iminência de ser perdido, ou com o ENEM. Mas o Brasil merecia um protesto de pais contra a situação da educação, uma greve de alunos seria uma boa idéia. Falei antes sobre o que sofre o professor. Agora, vamos falar de como a sociedade também é prejudicada.
Já fui acusado de ser, em outras palavras, um professor retrógrado, mesmo não sendo tão mau e desalmado. Sim, tinha a cabeça no passado, no tempo em que aluno tinha de estudar pra passar; em que não se entrava numa universidade pública séria sem passar no vestibular; em que vestibular era prova de verdade; em que fazer o primeiro e o segundo graus em escolas infestadas de marginaizinhos era um problema a ser superado, e não um fator favorável, para conseguir uma vaga na universidade; em que criança apanhava; e por aí vai. Por isso, fiz a denúncia contra a Secretaria de Educação que citei. Veja a carta encaminhada na denúncia, as atividades dadas às minhas turmas de uma das escolas e outros materiais anexos em
http://www.diariodoposte.com.br/profiles/blogs/professor-denuncia-a e
http://semsenhores.wordpress.com/2010/07/11/aprovacao-automatica-escola-publica/.
Fala-se que é pouco o dinheiro investido na educação e muito baixo o salário do professor. Da parte do salário do professor é verdade (isso não foi pesado para mim em particular, porque, morando com a minha mãe e minha irmã, pagar algumas poucas contas minhas e ajudar em casa já era possível e suficiente pra mim). Quanto à verba destinada à educação, não tenho tanta certeza, e mesmo que seja verdade, mais dinheiro não é solução. Um amigo meu, escritor, escreveu certa vez que professor devia ganhar salário mínimo. Eu não iria tão longe, mas e se esse profissional ganhasse tanto quanto, digamos, um técnico de edificações? Para remunerar a maioria dos professores, seria uma generosidade injustificável e improdutiva. O nosso professor típico é um ex-aluno medíocre da escola pública. E o risco seria certo de acrescentarmos aos medíocres atuais um bando de moleques mercenários, do mesmo tipo que faz Direito ou Medicina porque "dá dinheiro".
A valorização do magistério deve começar entre os próprios professores. Ser professor é status só para meio da graduação pra cima. O professor das matérias iniciais da graduação é, em geral, mau ensinador, frustrado e pouco dedicado (em alguns casos, põe um monitor para corrigir as suas provas ou mesmo dar aulas). O nível de qualidade e de prestígio do professor é menor para o segundo grau (mais conhecido como Ensino Médio), é menor para o Ginasial (6º a 9º ano do "primeiro grau de nove anos") e, por fim, menor para os professores dos cinco primeiros anos do Ensino Fundamental. Isso entre os próprios professores.
Aliás, J. R. Guzzo escreveu
"Ponto de Partida" na Veja de 30 de setembro de 2009 falando sobre isso (mais um dos textos admiráveis deste colunista), comentando que o Brasil é o segundo país do mundo em investimento em educação, mas nenhuma universidade brasileira está entre as cem melhores do mundo.
Falando em universidade, algo de trazer gastrite a qualquer brasileiro sério, profissional da educação ou fora dela, é que hoje qualquer analfabeto funcional pode entrar na universidade pública. Para tal, temos o Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM. Um exemplo de uma questão difícil da "Prova de Ciências da Natureza e suas Tecnologias" de 2010:
Questão 72. Todos os organismos necessitam de água e grande parte deles vive em rios, lagos e oceanos. Os processos biológicos, como respiração e fotossíntese, exercem profunda influência na química das águas naturais em todo o planeta. O oxigênio é ator dominante na química e na bioquímica da hidrosfera. Devido a sua baixa solubilidade em água (9,0 mg/l a 20º C) a disponibilidade de oxigênio nos ecossistemas aquáticos estabelece o limite entre a vida aeróbica e anaeróbica. Nesse contexto, um parâmetro chamado Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) foi definido para medir a quantidade de matéria orgânica presente em um sistema hídrico. A DBO corresponde à massa de O2 em miligramas necessária para realizar a oxidação total do carbono orgânico em um litro de água.
BAIRD, C. Química Ambiental. Ed. Bookmann, 2005 (adaptado)
Dados: Massas molares em g/mol: C = 12; H = 1; O = 16.
Suponha que 10 mg de açúcar (fórmula mínima CH2O e massa molar igual a 30 g/mol) são dissolvidos em um litro de água; em quanto a DBO será aumentada?
a) 0,4 mg de O2/litro
b) 1,7 mg de O2/litro
c) 2,7 mg de O2/litro
d) 9,4 mg de O2/litro
e) 10,7 mg de O2/litro
Na primeira metade da década de 90, isso este nível era questão dada em sala de aula nas boas escolas públicas. Falei antes de vestibular de verdade. Quando era professor de Matemática, apliquei trabalhos com questões de vestibulares da década de 1990 que
professores formados em Matemática não conseguiram resolver (e eu nunca repasso problemas que eu não tenha resolvido antes). Percebeu por quê? Veja essa prova em
http://portal.inep.gov.br/web/enem/edicoes-anteriores e confira: ENEM é pra macaco.
Se o prezado leitor quiser algum texto de macho sobre educação, leia os textos dos economistas Cláudio de Moura Castro e Gustavo Ioschpe, na revista Veja (na internet,
http://veja.abril.com.br/) e do André do Ceticismo.net (
http://ceticismo.net).
A melhoria da educação não deve ser apenas slogan de "greveiros" em campanha para aumentar o salário dos professores. Os professores sérios têm pouco a conseguir insistindo com os colegas pusilânimes para que lutem por algo mais que não perder o que têm. Os professores sérios têm os mesmos interesses dos pais que amam os seus filhos na educação básica, que querem que os meninos saiam de cada ano sabendo algo mais do que quando entraram. Os professores sérios da rede pública têm mais em comum com os professores também sérios da rede privada que com os colegas que vão aproveitar uma eventual greve para viajar. Os professores sérios da rede pública têm o mesmo interesse que as pessoas sérias do Brasil em que ter um diploma de segundo grau signifique escrever decentemente, fazer uma redação que preste e conseguir usar duas fórmulas no mesmo problema. Algumas empresas brasileiras ou estrangeiras no Brasil já estão contratando empregados estrangeiros, pela falta de conhecimento e maturidade dos nossos meninos com "nível superior". Bem feito pros "manés" que achavam que o empobrecimento da universidade (no duplo sentido) era o "caminho das pedras".
Walter Nunes Braz Júnior
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