De: <luizgreff@gmail.com>
Data: 15 de abril de 2012 09:05
Assunto: [menteestrategica] Depoimentos Insuspeitos 01
Para: menteestrategica@grupos.com.br
Mortos e Desaparecidos > Roberto Cietto
Roberto Cietto
Militante do MOVIMENTO ARMADO REVOLUCIONÁRIO (MAR).
Morreu, aos 32 anos de idade, em 04 de setembro de 1969 no DOI-CODI/RJ.
Preso, casualmente, ao passar defronte da casa do embaixador Charles Burke Elbrick, sequestrado naquele dia.
Roberto era conhecido pelos agentes da repressão, pois em maio daquele ano havia logrado fugir da penitenciária Lemos de Brito, no Rio de Janeiro. Foi levado diretamente para o CENIMAR e submetido a intensas sessões de torturas, resistindo apenas algumas horas.
Roberto iniciou sua militância política na Penitenciaria Lemos de Brito, onde cumpria pena como preso comum. Ali manteve contatos com presos políticos e aderiu à luta revolucionária. Após sua fuga junto com outros presos políticos, passou a atuar na clandestinidade, ligando-se ao MAR.
Seu corpo entrou no IML, no mesmo dia 04, pela Guia n° 71, da 19ª D.P., sendo necropsiado por requisição do Quartel General do I Exército, de onde foi removido.
A necropsia, firmada pelos Drs. Elias Freitas e João Guilherme Figueiredo, em 05 de setembro, confirma a falsa versão oficial da repressão de que Roberto suicidou-se, por enforcamento, em sua cela, no DOI-CODI/RJ, apesar de descrever algumas escoriações encontradas no corpo, como hematomas na pálpebra direita, no braço direito e perna esquerda.
As fotos de perícia de local (n° 5198/69), realizadas pelo ICE/RJ, mostram claramente as marcas de torturas. Como o enforcamento foi cometido com Roberto praticamente sentado? Também o laudo de perícia de local, feito pelo mesmo órgão oficial (Ocorrência n° 367/69) cita outras escoriações além das apresentadas na necropsia afirmando que "... a necropsia a ser procedida, deverá esclarecer, a recentidade dos ferimentos por ação contundente constatadas nas regiões frontal orbitária direita e face anterior do joelho direito da vítima" (sic) o que não foi feito pelo exame necroscópico.
O atestado de óbito, de n° 118.656, somente assinala seu nome, tendo todas as outras informações colocadas como ignoradas, apesar de tratar-se de alguém que já havia cumprido pena, tendo todas as informações oficiais, o que é confirmado por sua ficha do IFP, em 05 de setembro de 1969. O óbito teve como declarante José Severino Teixeira.
Foi enterrado como indigente no Cemitério de Santa Cruz (RJ), em 30 de setembro de 1969, na cova n° 203, da quadra 18.
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Revista Veja entrevista o coronel do Exército Élber de Mello Henriques
31.10.1999
Eu vi a tortura
Coronel que salvou a vida de preso político admite ter assistido a ações de tortura durante o regime militar
Consuelo Dieguez
Durante trinta anos o coronel do Exército Élber de Mello Henriques manteve segredo das cenas bárbaras que presenciou no quartel da Polícia do Exército, PE, no Rio de Janeiro. O quartel da Rua Barão de Mesquita, como era conhecido, ficou macabramente famoso por ter sido um local onde se torturavam e matavam presos políticos. Agora, Henriques, de 82 anos, resolveu falar. "Pedi para ver um preso que eu teria de interrogar. O homem estava pendurado no pau-de-arara, totalmente destruído", afirma. O "homem" era Roberto Cietto, do grupo esquerdista Armada Revolucionária, que, segundo a versão oficial, se teria suicidado. É a primeira vez que um militar vem a público confirmando ter presenciado atos de tortura nos porões da ditadura militar. Incumbido pelo então I Exército (atual Comando Militar do Leste) de fazer o inquérito policial-militar, IPM, de alguns dos presos da PE, o coronel revoltou-se contra as atrocidades ali cometidas e as levou ao conhecimento de seus superiores. Exigiu a punição dos torturadores. No mesmo dia em que fez as denúncias, foi afastado da tarefa. No tempo em que ficou no quartel, contudo, ele mandou que as torturas fossem suspensas e salvou a vida do preso político Flávio Tavares – que reconheceu o gesto do coronel num livro lançado em outubro.
Veja – O jornalista Flávio Tavares afirma que o senhor o salvou de morte por tortura quando ele estava preso no Rio de Janeiro, em 1969. Como foi seu encontro com ele?
Henriques – Fui designado pelo comando do então I Exército para fazer o IPM de alguns presos políticos que estavam no quartel da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro. Assim que cheguei ao quartel pedi para ver o Flávio Tavares, que eu teria de interrogar. Levaram-me até a cela dele e o que vi me deixou chocado. Era um cubículo imundo, com um buraco no chão servindo de privada que exalava um cheiro horroroso. Flávio, de tão machucado pelas torturas, dormia profundamente num colchão de palha sem lençol colocado no chão da cela. Imaginei que aquele homem deveria estar muito debilitado para conseguir dormir naquela situação, com aquele forte cheiro de urina. Determinei, então, que no dia seguinte me levassem o preso limpo e apresentável para o interrogatório e que o colocassem numa cela limpa, que eu mesmo inspecionei.
Veja – E isso aconteceu?
Henriques – Sim. No dia seguinte levaram o Flávio à minha sala. Eu disse a ele que sabia de tudo o que lhe tinham feito, mas que, a partir daquele momento, só eu poderia interrogá-lo. E assim ocorreu. No livro que acaba de lançar ele lembra que eu chamei a sua atenção de pronto. O motivo é que eu usava um uniforme comum do Exército, calça militar e sapatos, mas não portava arma, ao contrário do major José Mayer Fontenelli (então chefe do setor de informações do DOI-Codi do Batalhão da Polícia do Exército no Rio), que, segundo os presos me contaram, comandava as sessões de tortura no quartel, e de outros militares que faziam os interrogatórios.
Veja – E por que o senhor não portava arma como os outros?
Henriques – Imagine eu ir interrogar um prisioneiro com uma pistola na cintura. Isso é até uma prova de covardia. É ameaçador. O indivíduo fica aterrorizado porque eu posso simplesmente matá-lo dependendo do que ele diga.
Veja – O senhor também ficou impressionado com a sujeira da cela e a falta de lençóis e travesseiros com fronha. Por que isso o incomodou tanto?
Henriques – Nunca na minha vida eu exerci, como oficial do Exército, nenhuma ação contra prisioneiros meus. Sempre exigi que fossem tratados com dignidade. Em 1968, eu ainda estava no comando do Segundo Grupo de Canhões Anti-Aéreos, em São Paulo, e me mandaram quinze estudantes presos. Coloquei-os num alojamento com roupas de cama limpas, travesseiros, água, banheiro para tomar banho e tudo aquilo que nós somos obrigados a dar ao prisioneiro. Porque eles merecem isso pela legislação e pela dignidade humana.
Veja – Quando o senhor viu que não havia nada daquilo no quartel da Rua Barão de Mesquita, não pediu providências?
Henriques – Logo no dia seguinte, após tomar o depoimento do Flávio e de ter conhecimento do que estava ocorrendo naquele quartel, fui falar com o comandante, o tenente-coronel José Nei Fernandes Antunes (já falecido). Eu disse a ele que exigia absoluto respeito à pessoa humana, ao prisioneiro.
Veja – E qual foi a reação dele?
Henriques – Ele me respondeu: "Olha, coronel, eu aceito a tortura até certo ponto. Mas a tortura brutal e grosseira, não". O fato é que encontrei no comando dele as mais violentas formas de tortura. Ele até podia não saber, como ele me deu a entender, mas o comandante é responsável pelo que acontece no seu comando. Quanto à falta de lençóis e de fronhas, ele me explicou que era para que os presos não se suicidassem. Mas que motivos eles teriam para se matar? Só se fosse pelo terror do dia seguinte. Pelo medo de sofrer novamente o que já tinham sofrido.
Veja – E o senhor achava aceitável a tortura "até certo ponto"?
Henriques – Não admito nenhuma forma de tortura. A tortura é um meio extremo de obter de determinada pessoa a informação que ela pode estar querendo ocultar, mas não necessariamente essa informação será a verdade. Um dia um parente meu disse que se o torturassem ele diria que matou até a mãe dele. Digo isso para mostrar o pavor que a tortura causa. Torcer o braço, apagar cigarro no peito, dar choques nos testículos e na vagina, dar batidas com a palma da mão aberta nos tímpanos. Tudo isso cria uma tal depressão e um terror no indivíduo que ele confessa até coisas que não sabe. Em termos de investigação, pode ser até contraproducente.
Veja – O senhor não imaginava que os presos estavam sendo submetidos a maus-tratos?
Henriques – Pensei que eu fosse encontrar no quartel uma situação de legalidade, de aplicação da lei. E era para isso que eu estava lá. Para agir com o rigor da lei. Isso significa respeitar a pessoa humana. Tratar o prisioneiro, não digo com bondade, mas com correção. Eu não previa as dificuldades que iria encontrar. Presos submetidos a torturas, celas imundas, uma indignidade.
Veja – O senhor assistiu a algum tipo de tortura no quartel da Barão de Mesquita?
Henriques – Presenciei muitas coisas que me desagradaram logo de início. Eu já havia tido aquela péssima impressão com o estado do Flávio. Em seguida, vi uns rapazes corpulentos que, pela cor da pele e pelo corte de cabelo, percebi serem estrangeiros. Eles estavam numa sala, cercados de militares brasileiros, mostrando instrumentos de tortura. Perguntei a um oficial o que era aquilo e ele me disse: "São os americanos que estão nos ensinando a torturar sem deixar vestígios". Foram eles que ensinaram as técnicas de choque elétrico nos testículos e na vagina. Era um aparelho que os presos políticos chamavam de "Dr. Volts". Esses americanos estavam aqui em missão oficial, não sei se chamados ou por oferecimento próprio. O interesse dos americanos era que nós déssemos informações a eles sobre as ligações dos comunistas brasileiros com os comunistas da União Soviética. Mas, para evitar denúncias de tortura, eles ensinavam técnicas que não deixassem cicatrizes, ossos quebrados, audição destruída.
Veja – Mas o senhor chegou a ver algum preso sendo torturado?
Henriques – Infelizmente, sim, mas não no início. O motivo é que eu chegava ao quartel por volta das 8 horas e saía às 17 horas. Mais tarde, soube que os presos eram torturados depois que eu deixava o quartel. Um dia pedi para ver um outro preso político que eu teria de interrogar. O nome dele era Roberto Cietto. O oficial do dia me levou até ele. Não esqueço até hoje o que vi. O homem estava pendurado num pau-de-arara, totalmente destruído. Era uma coisa de dar dó. Ele gemia, urinava, defecava. Não pude nem falar com ele porque estava fora de si. Isso foi numa sexta-feira de setembro de 1969. Pedi então que o tirassem dali, porque eu iria interrogá-lo na segunda-feira. Quando voltei ao quartel, na manhã de segunda-feira, mandei que trouxessem o preso. A resposta foi que ele havia se suicidado.
Veja – Qual foi a sua reação?
Henriques – Desconfiei da versão e pedi para ver o corpo. Então, me disseram que o preso já fora enterrado. Isso me revoltou. Saí do quartel e fui ao general Carlos Alberto Cabral Ribeiro (já falecido), que era chefe do Estado Maior do I Exército. Contei o que estava ocorrendo. Ele quis um documento escrito. Pedi um datilógrafo, sentei-me ao lado dele e ditei tudo o que tinha visto.
Veja – O que constava nesse documento?
Henriques – Contei o que vi e o que me falaram naqueles quase trinta dias em que fiquei lá. Dei o nome dos torturadores e exigi punição. Nenhum foi punido.
Veja – O senhor lembra quem eram os torturadores? Eram todos militares?
Henriques – Não lembro. Só me recordo do Fontenelli, que era um major pára-quedista. O Flávio até fala dele no livro. O resto está no relatório confidencial que entreguei ao general Carlos Alberto, do qual prefiro não falar exatamente por ser confidencial.
Veja – Mas o senhor citava quais presos políticos no relatório?
Henriques – Só o Flávio e o Cietto. Falava das torturas, do estado das celas, do tratamento para arrasar a personalidade dos presos. Deixavam os presos sem comer, sem beber água, sem tomar banho, em cubículos imundos.
Veja – E o que aconteceu depois que o senhor fez as denúncias?
Henriques – O general leu meu relatório e mandou que chamassem imediatamente o comandante da PE, o tenente-coronel Nei. Sentei-me numa poltrona ao lado do general e ele me perguntou: "Élber, o que você está fazendo aí?" Eu respondi: "Estou esperando o comandante da PE chegar para na frente dele confirmar as minhas denúncias". Ele disse: "Não, vá embora daqui porque eu não quero briga no meu gabinete". Nesse mesmo dia fui dispensado da função de interrogar os presos e não voltei mais ao quartel. Fiquei a vida inteira magoado com o general Carlos Alberto.
Veja – O senhor teve notícias do que aconteceu aos presos que ficaram lá?
Henriques – Não. Não pude mais voltar ao quartel. Não pude nem pedir para desenterrarem o corpo do Roberto Cietto para saber que tortura ele tinha recebido. Eu não posso garantir que ele morreu torturado, porque não vi o corpo. Mas, pelo estado em que ele estava quando o encontrei no pau-de-arara, desconfio que ele tenha sido assassinado.
Veja – Tinha algum médico assistindo às sessões de tortura?
Henriques – Toda unidade do Exército tinha um médico. Eles usavam o médico para evitar que o preso morresse. O médico pegava o estetoscópio, ouvia o coração do preso e dizia "pára, pára", caso houvesse risco de vida.
Veja – E quem era o médico que fazia isso no quartel da Polícia do Exército?
Henriques – Não sei quem era. O próprio Flávio contou que tinha um médico assistindo às sessões de tortura. Estou contando essas histórias com muita tristeza, porque acredito que 99% dos oficiais do Exército não aceitavam tortura. Mas em toda organização, ainda mais numa tão numerosa como é o Exército, existem sádicos. Esses facínoras aproveitaram a oportunidade para exercer seu sadismo cruel.
Veja – Mas isso só aconteceu porque os governos militares permitiram que acontecesse.
Henriques – O governo Castello Branco reprimiu a tortura. Os governos Geisel e Figueiredo, também. Mas Costa e Silva e Médici, que foram os presidentes que usaram o AI-5 com toda a força, não agiram contra a tortura. Quem abriu a porta para a tortura foi o AI-5, porque deixou o indivíduo livre para agir. Basta dizer que, naquela época, eu estava no aeroporto em Brasília e se aproximou de mim um senhor. Ele pedia minha interferência para embarcar para o Rio Grande do Sul porque estava sem documentos. Disse-me que o homem da companhia aérea informara que ele só embarcaria se um oficial do Exército autorizasse. Aí é que se vê o abuso. Se o cara da empresa de aviação disse isso a ele é porque estava atribuindo ao Exército uma autoridade acima da lei. O AI-5 foi uma desgraça.
Veja – Mas o AI-5 foi resultado da Revolução de 64. O senhor apoiou o golpe militar?
Henriques – Apoiei porque era contra o comunismo e contra a baderna que se estava instalando no país. Mas fui contra o AI-5, que considero um ato violentíssimo. Fiquei impressionado como nós podíamos fazer uma lei tão violenta como aquela que não respeitava nada nem ninguém. Quando o ato foi decretado eu me dei conta de que aquilo iria resultar na aparição de ditadores mirins pelo Brasil inteiro. Bastava que ele exercesse uma autoridade governamental qualquer para ter poderes praticamente ilimitados de destruir a personalidade humana. Costumo dizer que a desgraça do socialismo foi o comunismo. A desgraça do fascismo, o nazismo. E a da Revolução de 64 foi a tortura.
Veja – Por que o senhor não denunciou publicamente tudo o que sabia sobre as torturas dentro dos quartéis?
Henriques – Não contei na época porque o clima era de muito terror e não haveria espaço para divulgação, por causa da censura. Mas fiz o que tinha de ser feito: denunciei o que vi aos meus superiores no Exército.
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