--O Brasil não deu certo?
Por: Dr. João Fabio Bertonha
Reflexões sobre o sucesso do fracasso
Nesses últimos tempos, parece que (e este "parece" é simplesmente sinal de otimismo por parte do autor) uma das últimas esperanças de boa parte dos brasileiros para dar um novo sentido à sua sociedade está se dissolvendo. E isso menos pelos escândalos de corrupção, caixa 2 e outros e mais por uma opção pelo conservadorismo e/ou falta de interesse ou capacidade para enfrentar, ainda que superficialmente, as mazelas mais graves da sociedade brasileira.
Isso tem levado muita gente a repetir uma das frases que mais sintetizam o que somos e pensamos da nossa própria sociedade, ou seja, "O Brasil não deu certo". Muitas variantes dessa frase também circulam (como, por exemplo, "O Brasil é o país do futuro que nunca chega"), mas o seu significado central é claro: nós, brasileiros, queremos construir uma sociedade rica, justa e influente no mundo e não o conseguimos simplesmente por incompetência, corrupção e muitos outros possíveis motivos.
Longe de mim dizer que esse país não tem problemas sérios de corrupção, incompetência, descaso e outros. Também não seria justo esquecer os muitos milhões de brasileiros que efetivamente sonham com um país melhor. Mas meu ponto é outro: talvez devêssemos ver o Brasil (e, provavelmente, toda a América Latina) como um caso de projeto incrivelmente bem sucedido e não o contrário.
Note-se que não apresento essa tese como criação minha. Inúmeros historiadores e cientistas sociais (como Manolo Florentino, João Fragoso, Jorge Caldeira e outros) têm trabalhado esse tópico e é neles que me baseio (sem, evidentemente, concordar com tudo o que eles propõem) para a redação desse artigo.
O que quero deixar claro é que o momento atual é mais um daqueles em que imaginamos que o motorista está seguindo o caminho errado por desconhecer a estrada quando, na verdade, ele o faz simplesmente porque quer.
Desde a época da colonização portuguesa, realmente, as elites brasileiras (ou luso-brasileiras, como se queira) parecem ter elaborado um projeto muito claro do que deveria ser o Brasil. Seria uma terra, onde, a partir da exploração intensiva do trabalho dos pobres e dos recursos naturais e de uma relação patrimonialista com o Estado, seria possível reunir rapidamente grandes fortunas. Tais fortunas seriam então usadas para reafirmar a hierarquia social através da ostentação e do clientelismo.
Ao mesmo tempo, nesse projeto, o Estado seria montado e pensado não como fator de desenvolvimento ou estrutura de representação coletiva, mas simplesmente para manter os privilégios, o poder e a riqueza dos dominantes. Por fim, haveria um ideal aristocrático permeando a sociedade brasileira, pelo qual se busca sempre enriquecer não pelo trabalho, mas pelo rentismo (ou seja, lucro advindo de atividades não produtivas), e sempre se procurando manter a maior distância social possível entre ricos e pobres, não apenas como subproduto do modelo, mas como ideal deste. A partir daí, certas derivações óbvias – como a violência para manter a ordem social e a fratura entre uma elite pouco comprometida com a nação e a população em geral – também aparecem.
É claro que este é um quadro muito simplificado de uma realidade muito mais complexa. Também está claro como tentar manter o grosso das riquezas e poder para si é algo que qualquer elite pretende e quer, seja aonde for. O que espanta, no caso brasileiro, é como um projeto inacreditavelmente exclusivo e injusto tem conseguido se manter ao longo de tanto tempo. As elites brasileiras, aliás, parecem ser mestres na arte de compor, recompor e mudar tudo na aparência sem alterar nada.
Realmente, os anos, as décadas e os séculos se sucedem e a essência do país parece continuar. A mão-de-obra tem que ser explorada ao limite e isso se fez/faz com os escravos, os imigrantes e os mal pagos trabalhadores de hoje. A ostentação é chave e objetivo da acumulação do capital e isso se manifestava/manifesta na construção de uma imponente casa grande na fazenda, em viagens a Paris ou a Miami ou em compras na Daslu.
O meio ambiente tem que ser destruído para gerar riqueza rapidamente e isso aconteceu/acontece no Nordeste, na Serra do Mar e, agora, na Amazônia.
O Estado deve distribuir favores e isso ocorreu/ocorre na época colonial, na de Pedro II ou nos escândalos recentes da República. Passado e presente parecem se confundir em alguns momentos
Mas talvez nada espante mais do que a capacidade das elites brasileiras em eliminar quaisquer alternativas e/ou adaptá-las para que o projeto maior não seja alterado.Tentou-se, por exemplo, manter o país essencialmente agrário o quanto foi possível. Quando isso não foi mais factível e a modernidade capitalista chegou ao país, no século XX, este se tornou cada vez mais urbano e industrializado. Mas continuamos, até hoje, com os traços do projeto original mais do que presentes, o que se corporifica na exploração de trabalho escravo por empresas modernas, na distribuição de benefícios do Estado aos "amigos do Rei", no uso deste para concentrar a renda, etc.
É por este motivo que as discussões sobre alguns tópicos, no Brasil, são aparentemente infindáveis e nunca chegam a lugar nenhum, como quando se debate a educação, mecanismos de distribuição de renda, projetos para viabilizar o crescimento econômico acelerado, etc. Discute-se muito, mas, como não se quer realmente mexer nas coisas, não se sai do lugar.
Realmente, acho que não há ninguém que não saiba e concorde que alguns dos problemas centrais do Brasil são a má distribuição de renda (com conseqüente falta de um ...TEXTO COMPLETO NESTE ENDEREÇO:
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