Com episódios beirando o fascismo, a estratégia eleitoral do tucano nestas eleições pode ser qualificada de várias formas, menos de bem-sucedida. Para analistas, Serra não soube compreender o perfil do eleitor paulistano em geral nem o do simpatizante do seu próprio partido. "O Serra morreu politicamente. O máximo que ele consegue é ser senador, não mais uma peça central do tabuleiro, embora não seja possível ser taxativo em política", opina o filósofo Vladimir Safatle.
Igor Ojeda
Data: 26/10/2012São Paulo - "Caminho sem volta". Assim a Folha de S. Paulo definiu, em seu editorial de 13 de outubro, a aliança de José Serra com setores ultraconservadores. Sim, a estratégia de campanha do candidato tucano à Prefeitura de São Paulo foi demais até para o jornal que sempre o apoiou. E mesmo quadros do PSDB, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, estariam criticando duramente tal postura.
"É uma campanha de direita", opina Lincoln Secco, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, Serra tentou copiar o candidato Celso Russomano (PRB), que teria posto em marcha uma campanha "sem consistência ideológica, mas capaz de popularizar temas conservadores misturados com a 'defesa dos pobres' e com uma atitude supostamente moderna, que é neoliberal". Talvez por isso, analisa Secco, o tucano tenha chegado ao segundo turno. "A imagem que ele sempre projetou não foi de esquerda, mas a de um técnico. Hoje, por necessidade de ocupar outro campo da política, faz um discurso conservador."
O episódio mais recente da estratégia de campanha do candidato do PSDB beirou o fascismo. À rádio CBN, respondendo a um eleitor sobre o que faria para acabar com a violência nas escolas, Serra afirmou que faria um convênio com a Fundação Casa (antiga Febem, famosa pelos maus-tratos contra internos menores de idade) para identificar jovens com propensão ao crime e ao consumo de drogas dentro das instituições municipais de ensino.
Sua completa adesão à política de "linha-dura" no combate ao crime já havia ficado evidente no dia 10, quando, em um ato de campanha no bairro de Pirituba, elogiou o vereador eleito do PSDB Coronel Paulo Telhada, que o acompanhava. Ex-comandante da Rota, Telhada é alvo de três pedidos de impugnação de sua candidatura pelo Ministério Público, uma delas por incitação à violência.
Com 36 mortes em supostos confrontos no currículo, ele incentivou indiretamente o assassinato do repórter da Folha de S. Paulo André Caramante após este publicar uma matéria em que relatava seus virulentos comentários contra "marginais" no Facebook. "Quem defende bandido é bandido também. Bala nesses safados", escreveu. Indagado sobre tais denúncias, Serra respondeu: "[Telhada] foi um homem muito competente [quando comandou a Rota], seguindo as orientações do governo: uma política firme que respeita dos direitos humanos".
Exemplos como esse deram o tom de boa parte de sua campanha eleitoral. A primeira grande cartada conservadora repetiu a tática utilizada nas eleições presidenciais em 2010, quando o tucano e sua equipe exploraram a questão da descriminalização do aborto para atingir a então candidata petista Dilma Rousseff. Não deu certo.
Dessa vez, o tema escolhido foi o kit anti-homofobia elaborado no ano passado pelo Ministério da Educação (MEC) quando Fernando Haddad comandava a pasta. O material, que seria destinado a professores do ensino médio, recebeu duras críticas de setores conservadores, que o acusavam de "incentivar" a homossexualidade infantil. Com a repercussão, o MEC suspendeu a distribuição. Nestas eleições, o tema foi levantado pelo pastor Silas Malafaia, da Associação Vitória em Cristo, e explorado por Serra em entrevistas. Chegou a falar que o kit do MEC era de "indução a comportamentos", pois seria distribuído aos alunos – o ministério desmentiu dizendo que o material seria destinado apenas aos professores.
Não deu certo. As pesquisas eleitorais indicaram que a exploração do tema fez Serra perder pontos, recuperados recentemente após o assunto ter saído da pauta. Para o professor de Filosofia da USP Vladimir Safatle, o candidato do PSDB "é uma pessoa muito equivocada do ponto de vista eleitoral. Ele cometeu dois erros seguidos", diz, fazendo referência à campanha de 2010. Segundo Safatle, o eleitor médio tucano tem uma peculiaridade aparentemente não percebida por Serra: é conservador politicamente e economicamente, mas é liberal em relação aos valores morais. "Esse tipo de conservadorismo, baseado nos costumes, não consegue mobilizar esse eleitorado. Ao contrário, ele gosta de se ver como moderno", analisa. Para o filósofo da USP, boa parte da provável derrota eleitoral do tucano – se a votação de domingo confirmar as pesquisas – deve ser creditada "única e exclusivamente" a ele próprio.
Safatle acredita que, mais do que conservadora, a campanha de José Serra à prefeitura paulistana é "muito oportunista e bastante e hipócrita", pois o tucano não seria um conservador orgânico. "Quando ele percebeu que existia um eleitorado conservador tentou organizar isso a partir da pauta tradicional do conservadorismo paulistano, baseada nos costumes. Mas não era o melhor de seus enunciadores. Outras pessoas teriam mais credibilidade", opina.
Na visão de Lincoln Secco, é um erro acreditar que a maioria do eleitorado muda o voto por causa de questões comportamentais do candidato. "Marta Suplicy insinuou uma campanha homofóbica bem menos ostensiva em 2004 contra Kassab e perdeu. Muitos evangélicos votam de acordo com sua consciência. As pessoas saem da igreja e tomam ônibus. Ficam doentes e vão ao posto de saúde. E rezam também. Elas sabem que a esfera da política está bem longe de ser divina."
O futuro de Serra
Se as pesquisas eleitorais se confirmarem no domingo, Serra sairá derrotado por uma margem razoável. Especula-se que a cúpula do tucanato esteja contando com essa perspectiva para excluir o candidato à Prefeitura de São Paulo do núcleo duro do partido. Segundo o jornal digital "Brasil 247", Fernando Henrique Cardoso, o senador Aécio Neves, o atual governador paulista Geraldo Alckmin e o candidato a prefeito de Manaus Arthur Virgílio estariam articulando o "sepultamento político" do ex-ministro da Saúde. De acordo com o site, os figurões do PSDB estão preocupados com o discurso extremamente conservador utilizado por Serra na campanha eleitoral.
"Não acredito que FHC e Aécio Neves tenham problemas com conteúdos de direita. Eles sabem que dependem desse campo ideológico. O que eles procuram é não se isolar ali e José Serra representa esse isolamento radical na agenda conservadora. Por temperamento, o ex-presidente e o ex-governador de Minas Gerais são mais moderados", analisa Lincoln Secco. Para o historiador, Serra ainda tem força interna para ser novamente candidato a prefeito, senador ou até governador, mas "resta saber se o PSDB vai aceitar mais uma vez perder com ele".
Já Safatle é mais cético quanto ao futuro do tucano. "O Serra morreu politicamente. O máximo que ele consegue é ser senador, não mais uma peça central do tabuleiro, embora não seja possível ser taxativo em política. Ele perdeu várias eleições, forçou a base do tucanato, tentou estratégias que deram errado. E é uma pessoa muito difícil, agressiva, que fomenta a divisão."
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