O acórdão do julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, que tem 8.045 páginas e foi publicado no dia 22 de abril, "mais parece uma colcha de retalhos e, em diversos momentos, soa desconexo". É o que afirma a defesa do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, nos Embargos de Declaração interpostos, nesta quinta-feira (2/5), no Supremo Tribunal Federal.
Em uma petição de 89 páginas, assinada por dez advogados — Arnaldo Malheiros Filho, Celso Vilardi e Flávia Rahal à frente — o ex-tesoureiro ataca fortemente o acórdão publicado pelo tribunal. Os advogados de Delúbio, como a maioria dos réus que apresentou recursos até agora, reclamam da supressão de trechos das intervenções dos ministros Celso de Mello e Luiz Fux durante os debates em Plenário: "Diversos dos apartes apresentados por dois dos ministros mais atuantes no julgamento foram simplesmente suprimidos do texto, tornando os debates travados durante as sessões incompreensíveis".
A petição começa com o subtítulo "um protesto necessário", em que se afirma que houve cerceamento de defesa no caso. "Ao apegar-se à literalidade da lei e desprezar as peculiaridades de um caso absolutamente singular na história da corte, o tribunal impôs grave cerceamento de defesa, pois, como se disse em petição anterior, é humanamente impossível cumprir o dever de defender os direitos do constituinte em sua plenitude em prazo tão exíguo", sustenta a defesa do ex-tesoureiro.
O prazo para a apresentação dos embargos, de acordo com o regimento interno do Supremo, é de cinco dias. Os ministros dobraram o prazo regimental e concederam dez dias para defesa e acusação apresentarem seus recursos. O Ministério Público decidiu não recorrer.
Ao classificar o acórdão como ininteligível, a defesa transcreve um trecho do documento publicado para mostrar como alguns dos debates ficaram sem sentido. Durante um voto do ministro Ricardo Lewandowski, ele e Luiz Fux começaram a discutir sobre financiamento de campanhas e caixa dois. No acórdão, o diálogo ficou assim:
"O Senhor Ministro Luiz Fux: CANCELADO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor): — Pois não.
O Senhor Ministro Luiz Fux: CANCELADO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor): — Mesmo que, perdão?
O Senhor Ministro Luiz Fux: CANCELADO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor): — Sim, porque na maior parte...
O Senhor Ministro Luiz Fux: CANCELADO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor): — Isso porque na maior parte dos casos, o que ocorreu? Houve um acordo entre partidos pra financiamento de campanhas; os representantes dos diversos partidos telefonavam para o partido que financiava essas campanhas, e diziam: olha, vai e recebe dinheiro no banco tal; e essa pessoa, a princípio, não sabe se esse dinheiro vinha da SMP&B, do próprio banco ou de uma empresa qualquer, como é comum, inclusive, quando se trata de ' 'caixa dois'.
O Senhor Ministro Luiz Fux: CANCELADO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor): — Perdão?
O Senhor Ministro Luiz Fux: CANCELADO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor): — Incide na corrupção.
O Senhor Ministro Luiz Fux: CANCELADO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor): — Não. A corrupção...
O Senhor Ministro Luiz Fux: CANCELADO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor): — Corrupção passiva, exatamente.
O Senhor Ministro Luiz Fux: CANCELADO
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor): — Pelo simples fato de ter recebido dinheiro. Está certo? Na qualidade de parlamentar.
O Senhor Ministro Luiz Fux: CANCELADO"
Além desse diálogo, a defesa transcreve outros em que não se consegue identificar qual era a discussão travada. "Apenas para relembrar, o embargante (Delúbio Soares) foi condenado às altíssimas penas de 8 anos e 11 meses de reclusão e tem todo direito de conhecer os motivos — documentados por escrito — que levaram os membros da mais Alta Corte do País a assim decidir", reclamam os advogados.
Assim como a defesa de Marcos Valério, a de Delúbio Soares também afirma que o acórdão é contraditório ao não explicar porque se encaminhou para a primeira instância da Justiça a parte da ação contra o réu Carlos Alberto Quaglia, que teve a alegação de que sua defesa foi cerceada acolhida pelo Plenário, enquanto os outros réus que não detinham prerrogativa de foro foram julgados pelo Supremo.
"Por que somente o acusado Quaglia será julgado pelo juízo de primeiro grau, com acesso ao duplo grau de jurisdição?", questiona a defesa de Delúbio Soares. Apenas três réus, os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), têm prerrogativa de foro. Os demais foram julgados por conexão entre os fatos.
Em dez tópicos, o recurso ataca também o que chama de "contradições na apreciação da prova" e "omissões do acórdão quanto à dosimetria da pena". Os advogados também argumentam que os ministros foram omissos ao não reconhecer a "atenuante obrigatória da confissão".
De acordo com a defesa, os fatos que hoje são conhecidos como mensalão começaram a ganhar novos contornos por conta do comparecimento espontâneo de Delúbio Soares à Procuradoria-Geral da República para prestar esclarecimentos: "Depois disso, os fatos foram sendo investigados e, ao longo de todo o procedimento criminal — seja nas investigações preliminares, seja na fase processual — o embargante confessou que foram entregues valores a membros de partidos da base aliada que compunham o governo".
A defesa pede o recálculo da pena de Delúbio Soares e cita que boa parte dos elementos de convicção que formaram o juízo de culpa do voto que conduziu a condenação é decorrente de análise descontextualizada das provas. Ou seja, que o relator, Joaquim Barbosa, separou apenas o que interessava para levar à condenação.
"Não são raras as passagens do voto condutor nas quais depoimentos de testemunhas são reproduzidos em trechos que, à primeira leitura, apontam para a veracidade da acusação ministerial. No entanto, uma análise do depoimento prestado, especialmente quando os trechos pinçados são contextualizados, mostra que certamente a conclusão seria outra", argumentam os advogados.
Ainda segundo a petição, não foram esclarecidos os cálculos para se chegar à penas-base e foi aplicada a legislação mais gravosa para crimes que teriam sido cometidos sob legislação mais branda.
Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo "Tribuna Online" dos Grupos do Google.
Para cancelar a inscrição neste grupo e parar de receber seus e-mails, envie um e-mail para tribunaonline+unsubscribe@googlegroups.com.
Para postar neste grupo, envie um e-mail para tribunaonline@googlegroups.com.
Visite este grupo em http://groups.google.com/group/tribunaonline?hl=pt-BR.
Para obter mais opções, acesse https://groups.google.com/groups/opt_out.
0 comentários:
Postar um comentário