Helio Fernandes
A Comissão da Verdade está fazendo um excelente trabalho, tentando resgatar o que aconteceu realmente nos 21 anos de chumbo da ditadura. E se insiste em "21 anos da ditadura", é porque para este repórter e para muita gente, 1979 e a chamada "anistia ampla, geral e irrestrita" foi uma farsa, uma fraude, mistificação que só serviu aos ditadores-torturadores-assassinos. Por causa desse ato fraudulento e unilateral, o Brasil foi superado totalmente pelo Chile e Argentina, que puniram seus criminosos (um dos últimos e o mais importante, acaba de morrer numa cela comum, merecidamente), enquanto os nossos foram totalmente esquecidos. Esquecidos e inocentados.
Essa "anistia" de nome imenso é tão grande quanto os atos criminosos dos torturadores. Mas os generais dos mais altos escalões sabiam de tudo, agora fica a impressão supérflua ou profunda: torturador covarde, insensato e desumano, só o coronel Ustra. Ele, sem dúvida. Mas os generais com uma porção de estrelas nos ombros, também.
A ANISTIA ERA DE 1979, MAS O
TERROR E A DITADURA, ATÉ 1985
Como é possível respeitar essa "anistia" de 1979, se em 1981, dois anos depois, os inocentados por eles mesmos, destruíam completamente a Tribuna da Imprensa? Massacre planejado, coordenado e executado pela mais alta patente da época (patente e cargo), o general de quatro Estrelas e chefe-geral do SNI, Octavio Medeiros.
Já disse aqui que 48 horas depois da destruição da Tribuna, o senador Franco Montoro (depois, governador de São Paulo) telefonou para o presidente da ABI, Barbosa Lima Sobrinho, e pediu para marcar um encontro comigo no dia seguinte. Franco Montoro era relator da CPI do Terror, queria que eu fosse depor imediatamente.
Conversamos no gabinete de Barbosa, acertamos o depoimento para três dias depois. O Senado lotado, não só de senadores, mas também com um número enorme de deputados. Contei tudo, coloquei o chefe do SNI inteiramente como responsável, ele era o grande beneficiário da permanência do regime arbitrário, atrabiliário e discricionário. Estava decidido, se a ditadura permanecesse, ele seria o novo "presidente".
O assombro foi geral, perplexidade e receio em relação à minha integridade. Como voltei para o Rio imediatamente, não houve espaço para a violência física, mas recorreram ao que faziam e melhor. Sumiram com tudo o que eu revelei em 6 horas de depoimento.
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PS – Terminei dizendo: "A destruição da Tribuna não foi apenas um ato de vingança, mas um movimento de sobrevivência". Para que ficasse bem claro o que estava acontecendo, reafirmei: "Não acabou, está longe disso".
PS2 – Lógico que eu não adivinhava nada, mas pressentia que o desespero dos insensatos que não queriam perder o Poder poderia levá-los a qualquer violência.
PS3 – Nem acreditava que seriam capazes da loucura do Riocentro, no dia 30 de abril, em comemoração antecipada do 1º de maio, três meses depois. Quem imaginaria que fossem capazes de planejar e executar aquela tragédia que não se consumou por detalhes que até hoje não se explica?
PS4 – Por isso, a prioridade "mil" da Comissão da Verdade tem que ser a de desmoralizar essa "anistia" de 1979. Como poderão explicar à opinião pública que os criminosos absolvidos por eles mesmos, sejam agora inocentados pelos que estão obrigados a investigá-los?
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