O burocrata solitário (de Yoani Sánchez, blogue Generación Y)

domingo, 27 de novembro de 2011
Texto sobre Cuba, escrito por uma cubana, Yoani Sánchez, no blog Generación Y. Como dito em um dos comentários, o "Solitário" é o nosso conhecido "Paciência".
- Espere um momento senhora, estou quase completando essa fileira.
- Alguém pode calar esta criança? Está me fazendo perder a concentração e não consigo encontrar o maldito ás de paus que preciso para terminar esta jogada.
- Aí está o telefone tocando de novo, estou quase quebrando meu próprio recorde detempo, nem sonhem que vou atender.
- Niurka! Vem aqui garota, olhe a quantidade de pontos que acumulei. Acredito que sou o melhor jogador de Paciência desta empresa.
Se alguém fizesse um estudo estatístico de quais são as aplicações mais utilizadas nos computadores estatais, não apareceria no topo desta lista nem World, nem Excel e muito menos Access. O grande ganhador dessa pesquisa seria o famoso jogo de naipes conhecido como Solitário. Nossos burocratas se enfadam e aliviam seu tédio pondo em ordem ases, corações e diamantes. Não sabemos se dedicam tanto tempo a este entretenimento porque tem pouco o que fazer ou se na realidade se vingam dos baixos salários convertendo sua jornada de trabalho numa tremenda perda de tempo. Quantas vezes aguardamos em frente a uma secretária que faz um clic após outro – olhando extasiada para a tela – como se não estivéssemos percebendo que ao invés de preencher formulários ou escrever cartas, está amontoando cartas de baralho sobre um tapete digital de cor verde intensa.
Enquanto recepcionistas e empregados aperfeiçoam sua habilidade com os naipes, nós – os clientes sobrecarregados pela burocracia – colocamos a prova nossa paciência. Eles colecionam fileiras onde sobressaem o Rei vermelho aqui, a Rainha preta ali, porém nos assentos incômodos de um registro civil ou de um cartório, as horas passam para quem necessita de uma resposta ou documento. De vez em quando entra outro funcionário e dezenas de olhadas tratam de lhe dizer: estamos esperando desde as oito, não almoçamos ainda, por favor… Atenda-nos. Porém sem levantar o olhar além da sua escrivaninha o recém chegado aconselha o seu colega que deve tirar aquele sete de espadas, porque senão o jogo estará perdido. Quando chega a hora de fechar e nos dizem: "tem que voltar amanhã", sentimo-nos como o monarca feroz da letra K, dispostos a enfiar a espada naquela tela que nos roubou o dia.
Traduzido por Humberto Sisley de Souza Neto

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