Crítica à Lei Maria da Penha

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Crítica à Lei Maria da Penha Oct 26, '07 11:53 AM
para todos
Categoria:Outro

Interessante crítica à 'Lei Maria da Penha'. Artigo de autoria do delegado Rafael Ferreira de Souza. 

Quarta-feira, 16 de Maio de 2007

"Lei Maria da Penha" 

Verdadeira aberração jurídica e social é a nova lei 11.340/2006, que trata da violência doméstica e familiar. A famosa "Lei Maria da Penha" pretende principalmente dar maior proteção à mulher, vítima constante de violência no âmbito familiar, praticada na maioria das vezes por seus esposos e companheiros. Se a intenção do legislador é digna de aplausos, visto que realmente traduz anseios legítimos, não se pode dizer o mesmo sobre o meio escolhido para efetivar a proteção pretendida, qual seja, o âmbito criminal.

Em apertada síntese, a medida que mais chama a atenção, por sua natureza desproporcional, é a possibilidade de prisão e autuação em flagrante do autor de crimes como ameaça, injúria, calúnia, lesão corporal etc, quando praticado no âmbito familiar, sobretudo contra a mulher. Tal medida vai na contra-mão da evolução legislativa que culminou com a conceituação dos crimes de menor potencial ofensido, submetidos aos Juizados Especiais Criminais. 

Trazer os casos de violência doméstica para os balcões de delegacias, dando-lhes tratamento penal mais severo, em nada muda a realidade social que é vivida pelas pessoas envolvidas. Para quem atua diretamente no fronte de atendimento a esse público, é fácil perceber que a esmagadora maioria dos casos envolvendo violência doméstica (diria 90% dos casos) está relacionada ao alcoolismo. Digo mais. As classes sociais mais abastadas não querem fazer parte do noticiário policial. São raros os casos de mulheres com maior grau de instrução ou certa posição social que comparecem à delegacia para prestar "queixa" (e com isso, obviamente, não estamos querendo dizer que esse tipo de problema não atinge estas mulheres). Trata-se de problema que diz respeito à classe pobre e às condições sociais da família, quase sempre inserida em um cenário onde o ator principal é o alcoolismo, sendo, pois, problema que deve ser resolvido com outros tipos de medidas e não apenas no âmbito criminal.

Quantas vezes presenciei a própria mulher, vítima de uma ameaça ou de uma lesão corporal, desesperada (literalmente) porque seu companheiro ficaria preso, a não ser que fosse recolhida fiança, que muitas vezes é arbitrada pelos delegados em R$500,00 a R$ 800,00. Quantas outras tantas vezes presenciei as próprias mulheres vítimas apresentando o dinheiro da fiança poucas horas após ela mesma ter ido à delegacia denunciar o companheiro. 

Outro dado importante é o de que na Justiça, a grande maioria das mulheres não mostra interesse em prosseguir com o processo, com condenação do agressor. Não há muitos relatos de casos que culminam em separação. Agressor e vítima vão "juntinhos" para o Forum.

O que na verdade estas mulheres-vítimas querem é proteção do Estado. Isso é legitimo. Mas será que o que querem é que essa proteção venha da polícia? Que essa proteção se traduza em prisão?

Em suma, trata-se de interferência indevida e desproporcional do Estado no âmbito privado e familiar. A família, célula mater da sociedade, é o local onde o ser humano nasce e cresce. Local vocacionado a proporcionar o desenvolvimento das potencialidades do ser humando, sobretudo quanto às crianças e jovens, concretizando (tornando realidade) o princípio básico da dignidade da pessoa humana, valor máximo encampado por nossa Constituição. No momento em que o Estado, com toda sua força coercitiva, priva de liberdade um indivíduo que evidentemente não se trata de um criminoso perigoso e ameaçador, pelo só fato de tratar-se de "violência doméstica" interfere de forma indevida na família. Digo pelo só fato de tratar-se de "violência doméstica" pois o tratamento dado a outros autores desse crimes, fora do âmbito familiar, é outro, qual seja, o conhecido Juizado Especial Criminal, medida que reputamos adequada à gravidade dos crimes perpetrados.

No mínimo, deveriam ter sido implemantadas outras medidas, de cunho assistencial, para que o agressor fosse encaminhado a tratamento psicológico, de recuperação do alcoolismo e outros vícios, ou ainda medidas similares. Algumas medidas estão até previstas na lei, mas não são executadas. Somente a atuação da policia e da justiça é insuficiente e, do jeito que é feita, não protege ninguém.

A lei prevê as chamadas "medidas protetivas", que incidem diretamente no âmbito familiar. Dentre elas, nos chama atenção a possibilidade do juiz criminal determinar o "afastamento do lar" e a "proibição do agressor se aproximar da vítima", fixando o juiz um limite mínimo de distância entre este e a vítima (!!!). Ou seja: juiz criminal, alheio à realidade daquela família, determinando uma medida cautelar de alta relevância, sem prazo determinado na lei... Não nos parece a solução. Ademais, como fiscalizar o cumprimento dessas medidas? Colocaria o magistrado um oficial de justiça na porta da mulher protegida? Determinaria o delegado um plantão policial na casa da agredida?

Para finalizar, gostaria de deixar claro que o casos como o da Sra. Maria da Penha, que foi vítima de crimes graves, dentre eles tentativa de homicídio, exige atuação enérgica do Estado, através da Polícia e Justiça.

Infelizmente, o que se vê é um total desencontro entre a finalidade da lei e sua atuação prática, com a aplicação de seus preceitos.

Mais uma vez andou mal o legislador.

Rafael de Souza (delegado) 

Fonte: http://seudelegado.blogspot.com/2007/05/verdadeira-aberrao-jurdica-e-social.html 

Blog "Seu delegado, ô seu delegado...", de Rafael Souza - http://seudelegado.blogspot.com 


"Este espaço foi criado com a finalidade de possibilitar a publicação de alguns textos de cunho jurídico (mas que possam ser compreendidos por leigos), bem como pensamentos e opiniões relacionadas a crimes, leis, fatos do dia-dia, direitos constitucionais e direitos humanos, além de expor alguns relatos de situações vividas por mim durante o exercício de minhas funções como Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal. 

Atuando há aproximadamente um ano e meio no plantão de uma das delegacias de Brasília-DF, pude perceber as dificuldades em que até mesmo uma das mais bem estruturadas instituições policias do país esbarra no combate ao crime. Mais do que isso, pude perceber o obvio, que grande parte da população que chega às delegacias é carente de um Estado atuante na área social, o que me fez refletir sobre a necessidade e eficiência de endurecimento das penas cominadas em nossa legislação como medida eficaz de controle e prevenção de criminalidade. 

Este despretensioso blog tem também o escopo de tirar algumas dúvidas jurídicas que eventualmente os visitantes possam ter, bem como traduzir-se em um espaço aberto a postagem de opiniões, pensamentos, críticas, debates etc." 

(trecho da Introdução ao Blog, em http://seudelegado.blogspot.com/2007/05/introduo-ao-blog.html ) 

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1 comentários:

{ unr } at: 26 de maio de 2014 às 19:51 disse...

Brilhante exposição de motivos!