Notas contra o sistemas de cotas para debatedores honestos

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Notas contra o sistemas de cotas para debatedores honestos

Já escrevi alguns textos sobre sistema de cotas nas universidades denunciando o mau caráter por trás da retórica da "justiça social". Desta vez, escreverei para um público diferente: os leitores de boa índole ainda iludidos com o bom discurso. Também não vou falar dos macacos-pivetes das cotas, das lesbo-feminazistas e tipos assim, mas apenas de pessoas desfavorecidas (às vezes apenas economicamente) com qualidades intelectuais e éticas para uma profissão de nível universitário, um cargo político ou "apenas" um posto de trabalho modesto onde pode fazer bem (não só dentro das atribuições do trabalho) a milhares de pessoas. Inclusive, o leitor perceberá que não vou falar mal de (mais) ninguém nem repetir denúncias como já fiz em outros textos.
O sistema de cotas na universidade é um erro baseado em outro. O primeiro erro é o da percepção de uma afrofobia generalizada, ainda que informal. O segundo erro é o de pensar que a solução é o negativo deste racismo.
Nunca se registrou em faculdade alguma do Brasil instruções de escritório para diminuir as notas de vestibulandos negros. Os gabaritos são publicados tanto nas faculdades quanto em grandes veículos ou na internet há décadas, mas nunca um candidato afrodescendente (ou mesmo um branco) denunciou que, por exemplo, ganhou nota de 60% do total quando pelo gabarito teria 80%. Nenhum estatuto racista, formal ou informal, que possa ser provado foi descoberto. Mesmo que os grandes veículos tentassem esconder um esquema de exclusão dos negros nas universidades, ainda teríamos grandes veículos esquerdistas, como o Portal Vermelho, para denunciar.
Ainda que houvessem casos flagrantes de afrofobia que pudessem ser provados, racismo já é crime faz tempo. Os "poderosos" ainda não acabaram com uma lei contra eles mesmos?
Então, por que os negros são minoria em cursos universitários, cargos de chefia, cargos políticos? Não é exatamente que todos que se esforçam conseguem o nível social que merecem. Mas alguma explicação deve ser procurada dentro da periferia, não apenas fora dela (bem, eu já dei algumas pistas em outros escritos, mas não vou meter o pau em ninguém aqui). E aí entra o outro ponto: o apartheid com cores trocadas.
Um sistema legal para beneficiar um negro por ser negro, ou uma mulher por ser mulher, ou um deficiente por ser deficiente não é reconhecimento de mérito, logo pode tirar algo de alguém com mais mérito. E um sistema de cotas é um entrave em um processo seletivo onde a competência, o caráter e a inteligência são não só objetos da avaliação como importantes no exercício das funções pelo selecionado. A distribuição de renda ou mais mulheres ou negros nas profissões e dos cargos de prestígio que aconteçam como consequência de mais mulheres ou negros com caráter e atributos profissionais nestes grupos. E que estas qualidades sejam os primeiros motivos para estes estarem lá. Se preciso, haja alguma estrutura de assistência, como assistência estudantil ou núcleo psicológico, para que estes possam procurar se precisarem e continuem lá. Precisar de ajuda não é o começo da derrota, e a própria desenvoltura deste afrodescendente, desta mulher, deste deficiente ou deste homossexual, como profissional e como ser humano, vai ser a resposta do o-que-está-sendo-feito-com-o-dinheiro-da-assistência.
Um sistema de cotas também é, por isto mesmo, um desserviço para a pessoa beneficiada: ela ganha uma posição de destaque, mas isso não significa mérito para tanto. Alguém pode lançar dúvida sobre uma pessoa de sucesso sendo quem menos acredita no que diz, por inveja ou por preconceito. Dar provas de competência e caráter para quem nunca parece satisfeito é exaustivo, mas geralmente haverá quem reconheça, mesmo que apenas como um espectador com honestidade intelectual. Mas mesmo neste caso, poder provar mérito é algo que só quem tem este mérito pode. Mais que isto: tentar provar mérito é algo que só quem tem e valoriza este mérito pode e quer provar. E é angustiante para qualquer pessoa que sonhe construir uma vida segundo o esforço e o mérito a suspeita minimamente explicável de ter conseguido algo que não merece.
Se uma pessoa quer não ser prejudicada no ingresso na universidade, na conclusão do curso ou na seleção para uma vaga de trabalho por ser não-branco, mulher, não-heterossexual, deficiente, gordo (que também tem caso de preconceito), pode, pelo menos em teoria, recorrer à nossa lei. Na lei brasileira, são crimes o racismo, a discriminação pelo "gênero" na seleção e no pagamento de trabalhadores, a difamação, fora (sem ressalva alguma de quem é a vítima ou o agressor) a lesão corporal, a ameaça ou a tentativa de homicídio. Havendo o crime e as provas, o que pode inviabilizar a busca pelo direito legal é a não existência de uma assistência jurídica para quem não pode pagar por ela (alguns estados estão mesmo em falta).
Um sistema de cotas também não só é um desserviço para as pessoas beneficiadas como pode trazer um risco grave: o de todos perceberem que as virtudes são inúteis, os diplomas são duvidosos, a escolha dos chefes é injustificável e as autoridades são a classe mais desprezível em termos morais e técnicos. Daí, teremos um conflito não entre brancos e não-brancos ou entre mulheres e homens, mas entre os que se importam com a ética e os amorais.
Walter Nunes Braz Júnior 
 
"Quando a oportunidade bate à porta, muitas pessoas estão no quintal procurando trevos de quatro folhas" (autor desconhecido)

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