Bem viver revolucionário 4: vamos fazer um sistema que não é mau com a turma legal
Imaculada Virgínia Pereira Souto e 
Abigail Pereira Aranha 
Já reparou como é um martírio pregar uma sociedade na base da justiça, do amor, do trabalho cooperativo? E o problema não é lutar contra as empresas multinacionais, a mídia, os bancos, os latifundiários do interior. Mesmo que fosse, por que um grupo de talvez 2% da população mundial consegue fazer o que quer dos outros 98%, com alguma reação de talvez 10%?
E tem outra coisa. Você é bom, é honesto, leva seu trabalho a sério, tenta progedir na vida com mérito próprio, é amável, está de bem com a vida, e (se for homem) trata bem as mulheres? Já reparou que você é elogiado quando é simpático pra atender clientes no trabalho, quando sabe fazer e faz aqueles trabalhos que nem quem devia saber sabe ou quer fazer, quando é honesto com o dinheiro dos outros, mas fora isso você é cada vez mais tratado não como uma pessoa que merece admiração e respeito, mas como uma sub-raça, um palhaço, um capacho, uma pessoa incômoda, talvez até uma ameaça?
As pessoas de grandeza de espírito e de intelecto são uma casta inferior de uma nação de parasitas
Não é bem verdade que todas as conquistas da humanidade foram conquistadas pelas pessoas inteligentes, honradas e corajosas. Estas pessoas foram mesmo é usadas por quem já estava no poder ou pela coletividade como um todo. Foi tipo o aluno estudioso que fez o trabalho de escola de uma vadia que namorava com ele e ela nem conversava mais com o rapaz no ano seguinte. Os nobres construíram a humanidade sim, mas só levaram prejuízo com isso. Alguns morreram sem ver sequer os seus objetivos conseguidos, eles às vezes eram modestos e nem a realização da sua modéstia eles viram.
Os que não morreram tentando fazer descobertas científicas, lutando pelos direitos da coletividade ou mesmo tentando trazer uma melhora no mesmo sistema que eles nunca quiseram derrubar mas que não recebeu bem o que eles traziam, nunca estiveram muito diferente dos heróis de hoje. São os ativistas sociais que acreditam mesmo no que dizem e tomam paulada ou vão presos enquanto a diretoria ajunta dinheiro ou vai para o palco. São os funcionários dedicados que conquistam os clientes, enquanto a superior que foi promovida porque é sobrinha do cunhado do gerente faz o próprio currículo nas costas deles.
Grandeza moral e mental sempre foi perigoso
Quem não quer pessoas inteligentes usando a inteligência fora do local de trabalho não são as grandes corporações. Isso é conversa de maconheiro de DCE. Quem não quer mulheres sem medo de exercer a sexualidade (tá bom, estamos falando de putaria mesmo) não é a religião organizada. Isso é conversa de feministas defendendo o aborto e o lesbianismo. Quem não quer alguém fazendo isso e outras coisas mais são as outras pessoas do povo que não tem a estatura pra isso.
Quando e onde nunca existiram as liberdades como conhecemos hoje, até dava pra ter alguma ilusão. Mas com um bom tanto de água que já passou por baixo da ponte, a gente vê que as revoluções ou qualquer coisa realmente libertárias duram pouco ou são desvirtuadas em poucos anos, enquanto as ditaduras sanguinárias recheadas de insanidade duraram algumas décadas, como os governos comunistas, ou até séculos, como a Inquisição. Como se a disparidade da sobrevida de umas e de outras fosse pouco, os pacatos cidadãos tinham medo de apoiar os militantes de uma sociedade nova de bem-viver ou mesmo os rebeldes contra um governo, mas muitos denunciaram muitos culpados e inocentes aos sistemas que mais mataram, por nada ou por vantagem pessoal, como os dedos-duros que ficaram com parte dos bens dos denunciados na Inquisição.
Só o ódio que o pequeno tem pelo grande pode explicar que a lei, o abuso de autoridade, a armadilha ou até uma denúncia anônima sem provas podem acabar com a vida de uma pessoa honrada até em democracias do século XXI como o Brasil, e enquanto isso o cidadão comum está mais interessado nas notícias sobre esportes ou em postagens sobre esmaltes. Só uma sociedade que dá ao tolo o direito de perseverar na estultícia e odiar o sábio ou o menos tolo, acima do direito do que se dá ao respeito de ser o que é, pode aceitar blogs, redes sociais e jornais carregados de inutilidades e conteúdos de mau gosto, enquanto educação sexual para adolescentes é questão delicada, dizer-se ateu pode fazer perder o emprego ou qualquer duas postagens "demolidoras" no Facebook e você perde o amigo ou o perfil.
O ponto onde erram muitos heróis que se importam com bons princípios e boas causas é pensar que as classes baixas são tão interessadas quanto eles no que eles defendem e não sabem disso. Só os grandes se interessam pelo triunfo da grandeza, só os honestos se importam com o governo da ética, só as pessoas inteligentes se incomodam com o lixo na televisão. Se você estiver num ônibus que teve que desviar o itinerário ou andar mais devagar por causa de um protesto, vai saber o que o passageiro com primeiro grau incompleto que ganha um salário mínimo ou a machorrinha que está indo pra faculdade paga pelo pai misógino opressor pensam disso.
Família não é nada, merecer amor e se dar ao respeito é tudo
Se a família significa alguma coisa, não é porque o seu pai não tinha outra mulher pra comer além da sua mãe e não tinha outra opção além de se casar com ela, daí juntando um bando de irmãos e meio-irmãos que nem sempre se suportam, casados com homens ou mulheres nem sempre bem escolhidos (às vezes eles nem se escolheram), gerando pequenos bandos de moleques paspalhos que não se entendem ligados por um dos pais de um bando ser irmão de um dos pais do outro. Laços familiares assim não significam nada. E se o pai de um moleque fosse o vizinho que a mãe manda ele nem dar bom dia?
Se você tem um irmão, um tio, um cunhado que te trata muito bem, que é seu amigo, que você tem um motivo para admirar, seja por isso que você ama pelo menos a esta pessoa. O discurso de que você deve colocar a sua família em primeiro lugar perde qualquer base intelectual ou moral se o seu primo é um imbecil que é só o filho do irmão da sua mãe que se casou com o seu pai grávida de outro homem dizendo que o filho era dele. E pior ainda se aceitar toda a estupidez e receber todas as patadas que esse bando de imbecis quiser te dar e ainda retribuir com sorriso e amor que eles não tem preocupação nem decência para merecer for uma obrigação. Porque é obrigação sua, sua e de quem tem capacidade mental de sair da frente do espelho para ter um padrão de conduta.
Ah, mas papai e mamãe (principalmente a última) te amam, te criaram, te educaram. Bom, talvez eles te amem de verdade. Mas como regra geral, eles te fizeram pra você ser o andador com carteira deles.
Seus verdadeiros amigos e companheiros de caminhada
Vamos pensar numa mocinha pobre saindo de uma cidade do interior para fazer faculdade numa cidade grande. Ou num rapaz de um dos últimos bairros da cidade que quer aprender uma profissão. Os colegas de classe que estudam e participam da aula tanto quanto eles e as pessoas de fora eles vão descobrir e que também valorizam o mesmo que eles, tanto em trabalho quanto em princípios, vão ser completamente diferentes do irmão preguiçoso ou do amiguinho de infância babaca. Esses são muito importantes, alguns pelo apoio profissional, alguns pela amizade pessoal, alguns pelas ideias em comum, às vezes as três coisas. A família vai dar, se puder, apoio financeiro, muitas vezes para poder internar a mãe num hospital privado e arranjar uma facilidade para o irmão preguiçoso e sem talento.
Vamos fazer um país, aqui vai uma proposta da constituição revolucionária
- Vamos ser a família uns dos outros. Aquele pessoal unido de sermão de igreja e comercial de margarina.
- Ninguém vai se separar de amigo verdadeiro por causa de família ou de namorada.
- O item casamento é aberto. Entenderam o duplo sentido?
- Sempre que pudermos, seremos solteiros e moraremos sozinhos.
- Não vamos matar nossa dignidade, nossa saúde ou nossos princípios para conseguir ou manter um emprego. Vamos preferir um trabalho tranquilo com um salário que dê pelo menos para nós a trabalhar em um emprego que dizem que é muito bom mas nos mata por dentro só para levar a mamãe pé na cova nas costas.
- Vamos estudar as leis, especialmente o código processual do país inimigo, e nos prepararmos para elas serem usadas contra nós. Vamos preparar a pimenta para enfiar as regras que só valem para e contra nós na goela dos adversários.
- Vamos ler, estudar e descobrir o mundo como se fôssemos uma quadrilha ou agentes secretos de um país inimigo. Nenhuma empresa infernal vai nos dar uma chefe vadia com metade da nossa competência que subiu na carreira no colo da diretoria que vai nos dar úlcera e fazer currículo nas nossas costas depois de todas aquelas noites estudando na faculdade.
- Quando disserem para um de nós para ele dizer o que pensa no Facebook dele, guardar o que pensa pra ele, vamos mostrar que a gente só atende quem nos manda recuar pra acertar o pé no nariz do filho da puta.
- Enquanto o país inimigo não for colônia do império do caráter, da inteligência e do mérito, vamos desfrutar da companhia do nosso grupo mas nos fortalecermos para descer a paulada lá fora.
- É proibido deixar de estar com os amigos para estar com a namorada desagradável ou as tias velhas.
- Nenhum de nós vai dizer para o amigo que precisar chorar para engolir o choro.
- Vamos preservar a saúde.
- Vamos exercitar o cérebro.
- Os candidatos homens devem estar aptos a fornecer 3 (três) colheres de sopa de amostra para o exame de esperma ao final de 30 minutos de exercícios ininterruptos em todas as posições com as preparadoras físicas do exército, cargo para o qual serão nomeadas Imaculada Virgínia Pereira Souto e Abigail Pereira Aranha.
- Vamos fazer umas piadinhas de vez em quando, tipo a de cima (variando os assuntos).
- Enquanto estivermos no país inimigo, vamos considerar como provocação pessoal e aos nossos companheiros cada regra que nos trouxer qualquer prejuízo se for obedecida ou já está sendo desobedecida por outras pessoas sem punição.
- Não vamos deixar esses filhos da mãe nos aborrecerem. Pelo menos não sem dar um troco.
| Uma musiquinha pra curtir: Vamos Fazer um Filme – Legião Urbana |
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