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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Por Breno Altman

O direito de protestar faz parte da democracia. Essa garantia inclui apupos, gritos, gestos, cartazes e até o esculacho. Apenas exclui o exercício da violência direta, monopólio do Estado em seu papel regulador das relações sociais. Não se pode classificar, como modalidades aprioristicamente antidemocráticas, por exemplo, piquetes grevistas, ocupações de terra e bloqueios de estrada. Muito menos o recurso à vaia.

O sistema democrático, afinal, não tem como finalidade tornar a política o reino dos eunucos, mas normatizar o conflito de classes, partidos e grupos a partir de regras válidas para todos e resguardadas pelas instituições pertinentes.

Protegido por esse princípio, o então prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, organizou uma claque para vaiar o presidente Lula na abertura dos Jogos Panamericanos de 2007 e impedi-lo de discursar. A esquerda aceitou o fato como natural e tratou de mobilizar suas forças para, na garganta, neutralizar as cornetas conservadoras.

Na semana passada, quando a blogueira Yoani Sanchez chegou ao Brasil, diversas entidades e agrupamentos progressistas resolveram botar a boca no trombone, por considerarem insultante a visita de uma dissidente incensada e financiada pelos Estados Unidos, no eterno propósito de combater a revolução cubana.

Esses movimentos tomaram várias iniciativas para demonstrar que, a seu juízo, Yoani era persona non grata. As medidas tomadas, em alguns momentos, até passaram do ponto, caindo em provocações e deslizando para o exagero. Os ativistas eventualmente cometeram erros políticos, correndo o risco da antipatia do senso comum. Agiram, contudo, sob amparo da mesma Constituição que avalizou os protestos do Maracanã.

Inúmeros oráculos da direita reagiram com fúria descontrolada. Cerraram fileiras e acusaram os manifestantes de atentarem contra a democracia, sem pudores de expor sua dupla moral. Boa parte dos que supostamente se horrorizaram com as vaias contra a escriba, vale lembrar, vibrou com a armação de Maia e se dedica a estimular qualquer ação de repúdio, verbal ou física, aos petistas acusados no processo do chamado "mensalão".

Essa indignação pretensamente democrática dos setores conservadores exala o odor de sua contumaz hipocrisia. Claro, muitos cidadãos torceram honestamente o nariz, à direita e à esquerda, pois está sedimentado, em nossa cultura política, que o confronto é uma aberração da natureza. Mas a vanguarda reacionária está preocupada com qualquer outra coisa que não os bons modos.

A direita imaginou que o road show de Yoani Sanchez seria a apoteose midiática de uma nova voz contra o governo cubano. Acreditou que teria conforto para revalidar seu ponto de vista sobre o regime fundado em 1959, dando-lhe ares de unanimidade, em um momento no qual as atenções se concentravam na eleição de Raul Castro para novo mandato presidencial e no aprofundamento das reformas do sistema socialista.

Essa aposta, além de subserviência ideológica aos Estados Unidos, voltava-se também para desgastar um aspecto importante da política internacional brasileira, qual seja, o apoio à economia cubana e à integração plena do país no bloco latino-americano. Não é à toa que os valetes da blogueira foram alguns ases da oposição mais iracunda, aos quais se somou o inefável senador Eduardo Suplicy.

Qual não foi a surpresa dessa gente, porém, quando reparou que não haveria pacto de silêncio e a empreitada estava sendo enfrentada por onde passasse sua heroína. O governo não saiu um milímetro de seu papel institucional, a favor ou contra a blogueira, mas uma fatia da esquerda resolveu dizer publicamente o que pensava, em alto e bom som.

Bastou para os organizadores da visita reduzirem o número de eventos e Yoani cancelar sua ida para a Argentina, arremetendo diretamente para a República Checa. Temia-se que, em Buenos Aires, a recepção fosse ainda mais calorosa e massiva. O próprio Wall Street Journal, santuário do pensamento conservador, registrou que a presença da dissidente havia sido um tiro pela culatra e ressuscitado a solidariedade com a revolução cubana.

A mesma lucidez faltou a seus pares brasileiros. Como é de praxe, a imprensa tradicional recorreu à pena de articulistas que, com passado na esquerda, atualmente cumprem expediente como banda de música da direita. Outrora essa posição foi preenchida pelo talento político e literário de Carlos Lacerda, até de Paulo Francis. Infelizmente seus herdeiros têm poucas luzes e pálidos dotes narrativos, déficit que parecem compensar com um rancor irracional contra seu lado de origem.

E o ódio costuma ser, como se sabe, parteiro de ideias delirantes. Os manifestantes chegaram a ser comparados com os camisas-negras de Mussolini e as tropas de choque nazistas, enquanto Yoani Sanchez foi citada como equivalente cubana do sul-africano Nelson Mandela. São afirmações reveladoras de que não há limites para o reacionarismo quando as ruas ousam desafiar seu modo de ver o mundo.

Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.

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